Funcionário da Secretaria de Segurança Pública do Acre, José
Sales de Araújo Neto, 40, trabalhou durante três anos e meio como motorista da
deputada federal Antonia Lúcia (PSC-AC) e denuncia que, no decorrer da “relação
de trabalho”, abriu duas contas correntes, sendo uma no Banco do Brasil e outra
no Banco Real.
Aproximadamente 60 folhas dos talionários de cheques
retirados nos dois bancos foram assinados e entregues à deputada Antonia Lúcia,
que utilizou as contas de titularidade do ex-motorista para diversas transações
comerciais em seu benefício e em benefício da Rádio e Televisão Boas Novas.
Neto nunca recebeu proventos ou salários que superassem R$ 1
mil por mês, sendo incompatível mais de R$ 200 mil da movimentação financeira
constatada por 28 cheques que resgatou e estão em suas mãos.
Os cheques foram emitidos pela deputada Antonia Lúcia para
diversas finalidades, como compras de roupas em loja de Brasília e de bens
imóveis nas cidades de Senador Guiomard e Rio Branco, ambas no Acre.
Alguns do cheques foram utilizados no pagamento de um
veículo adquirido em Brasília pela deputada, em nome do ex-motorista, na
concessionária Ford Dakar, mas devolvidos por insuficiência de fundos.
O veículo adquirido junto a Dakar servia ao marido de
Antonia Lúcia, o deputado Silas Câmara (PSC-AM), conforme se comprova pelas
notas fiscais. O casal de evangélicos, líderes da Assembléia de Deus, respondem
a vários processos.
Em setembro, por exemplo, Heber e Milena Câmara, filhos do
casal, foram presos no Acre pela Polícia Federal com R$ 475 mil sem origem
declarada, dentro de uma caixa de papelão. Segundo o Ministério Público
Federal, o dinheiro foi enviado por Silas Câmara, do Amazonas, para a campanha
da mulher dele, no Acre, para a compra de votos e despesas de caixa dois.
Neto trabalhou na campanha de Antonia Lúcia e do deputado
estadual Walter Prado, em 2006, e participou da listagem de eleitores para a
compra de votos.
- Para trabalhar com Antonia Lúcia tem que virar bandido –
afirma.
Consultada pela reportagem, a deputada Antonia Lúcia nega as
acusações.
- Ele é mentiroso e o meu advogado vai esclarecer tudo.
Neto moveu reclamação trabalhista de R$ 120 mil contra a
Rádio e Televisão Boas Novas.
- Ele nunca trabalhou na Rádio e Televisão Boas Novas. Tudo
o que ele tem dito não passa de acusações levianas, gratuitas, irresponsáveis e
ilegais. Nos vamos adotar todas as medidas judiciais e administrativas contra
esse ataque gratuito, difamatório e calunioso – afirma Francisco Valadares
Neto, advogado da deputada.
Veja os principais trechos da entrevista exclusiva ao Blog
da Amazônia:
O que você fazia quando começou a trabalhar para a deputada
federal Antonia Lúcia e para o deputado estadual Walter Prado? Tudo começou na
campanha de 2006. Participei da listagem de eleitores para a compra de votos.
Quantos votos foram comprados?
Da minha parte, daqueles que foram pagos por meu intermédio,
foram mais de 30 votos. Como o voto era casado, tinha uma diferença. Ela era
muito “pesada”, ou seja, muito ruim de voto para ser eleita. Era R$ 50 dele e
R$ 50 dela. Cada voto casado custava R$ 100. Para votar nos dois ganhava R$
100. Ele foi eleito e ela não.
O que aconteceu no ano seguinte?
Em 2007, comecei trabalhando como motorista de Antonia Lúcia
na Rede Boas Novas, da qual ela era diretora. Ela disse que eu devia viajar
para Brasília, comprar uma caminhonete Ranger cabine dupla, preta, placa NGY
4464, de Anápolis, Estado de Goiás. Ela disse que esse seria o carro no qual eu
iria trabalhar na Rede Boas Novas.
Como se deu a compra?
Ela fez com que eu tirasse cheques. Eu já tinha uma conta no
Banco do Brasil e outra no Banco Real, mas não movimentava cheques. A pedido de
Antonia Lúcia, solicitei inicialmente 30 folhas de cheques ao Banco do Brasil.
Assinei todos os cheques em branco e passei para ela. Ela usava meus cheques do
Banco do Brasil e do Banco Real. Todas as folhas de cheques que solicitei aos
dois bancos foram assinadas por mim e repassadas para ela e para a irmã Vera
Lúcia, antiga diretora administrativa da Rede Boas Novas. Ela dava os cheques
para cobrir compras de passagens de pastores, do próprio carro que ela estava
devendo, pois parcelou a compra da Ranger. Ela também comprava material de
construção, tudo.
O dinheiro era depositado na sua conta?
Não. Na maioria das vezes ela preferiu que eu fosse resgatar
os cheques junto aos credores. Ela me dava o dinheiro para isso. Acontece que
ela não dava baixa nos cheques sem fundo. Eu pedi providências, mas ela mandava
eu aguardar, dizia que estava resolvendo
e que em 2008 iria precisar muito da minha conta. Deu tudo errado e eu
fui perdendo a paciência. Alguns cheques ela resgatou e pagou, outros elas não
pagou, como o cheque do bendito carro. Meus cheques foram usados para pagar até
conta de luz.
Você não temia ser prejudicado assinando tantos cheques em
branco?
Não porque ela sempre dizia que ia acertar tudo, com juros e
correção monetária. Por se tratar de uma evangélica, jamais duvidei da palavra
dela. Como falava tanto em Deus, tinha sempre o nome de Deus na frente de tudo,
nunca pensei que fosse fazer isso comigo.
Quanto dinheiro ela movimentou usando as suas contas?
Posso afirmar que foi mais de R$ 200 mil. Atrás dos cheques
aparecem os nomes dela ou da diretora administrativa. Os nomes delas eram
associados no verso dos cheques. Ela não queria
deixar rastro do volume de dinheiro que movimentava.
Você sabe a origem do dinheiro?
Garanto que não é da Rede Boas Novas no Acre. Tudo vem do
Amazonas, enviado pelo deputado federal Silas Câmara, marido da deputada
Antonia Lúcia. A Rede Boas Novas tem 27 emissoras de rádio e TV, mas o
faturamente é insignificante. Pode ser que o dinheiro venha mesmo dos fiéis da
Assembléia de Deus.
Você presenciou isso alguma vez?
O dinheiro vinha de avião. Era trazido para o Acre por
pessoas ligadas ao deputado Silas Câmara. Tudo vinha de avião, inclusive o
material de propaganda. Fora os cheques, cedi um automóvel meu para pagamento
de outdoor e até terreno. Ela tem dito que eu quero extorqui-la, mas não é
verdade. Tenho tentado apenas receber o que é meu. Ela sempre me pedia
paciência e prometia ajeitar minha situação. De lá para cá, passou a dizer que
ia dar um jeito na minha vida. E passou a dizer para que eu tomasse cuidado com
o delegado. O delegado é o deputado estadual Walter Prado. Não tenho medo dele
e nem dela porque não sou bandido. Para trabalhar com Antonia Lúcia tem que
virar bandido. Se eu aceitasse continuar, teria sido preso no ano passado pela
Polícia Federal. Estaria respondendo com por crime eleitoral e formação de quadrilha.
Qual foi a conseqüência disso tudo?
Estou sofrendo ameaças de morte e também estou sendo coagido. Vasculharam até a
minha vida funcional.
O governo do Acre ou o PT estão por trás disso?
Não. Acredito que não. Mas o certo é que a deputada e o
deputado agem sem o conhecimento do governo e do PT. A Secretaria de Segurança
Pública, sem um pedido judicial, cedeu informações de minha vida funcional sem
um argumento legal. Bastou um pedido do advogado deles ao secretário.
O que tem de grave na sua vida funcional?
Não tem nada de grave. O que acho grave é que, em 2007,
tentei obter a minha ficha funcional e não tive permissão. Estou preocupado com
minha segurança e das pessoas próximas de mim, como amigos e parentes. Foi até
difícil encontrar advogado para me defender. Ninguém quer enfrentar um delegado
da Polícia Civil que é deputado estadual, assim como não quer enfrentar uma
deputada federal, casada com deputado federal, donos de uma Rede de Comunicação.
Você se arrepende do que fez?
Com certeza. Não é vida para um homem trabalhar dessa
maneira. Existe tanta gente boa, tantos políticos bons no Acre, como a
vereadora Ariany Cadaxo, a deputada estadual Antonia Sales e a deputada federal
Perpétua Almeida. São mulheres que honram a política. Espero muito e confio na
Polícia Federal, no Ministério Público Federal e na Justiça. Se a minha verdade
for a minha morte, essa verdade será dita, doa a quem doer. Caso aconteça
alguma coisa comigo, outros surgirão para fazer o mesmo que fiz. Espero que o
Acre e o Brasil se livrem de políticos que coagem, que compram votos.
Fonte: Blog do Altino.